16 de out. de 2010

Drummond, Steve Lee, Monte San Gottardo e... no meio do caminho a pedra.


Os poetas criam coligamentos inusitados, fora do senso comum. São visionários, facilitam caminhos, trazem à luz um real inefável.

Esta afirmação pode parecer óbvia, mas a faço sustentada na lembrança repentina dos versos de Carlos Drummond de Andrade, nessa minha madrugada insone, “No meio do Caminho” . Assim quis, este ente inspirador, que aparece sem marcar hora, ilustrar meus pensamentos em torno do maior acontecimento do ano aqui na Suíça: a queda do último diaframma da galeria de base daquele que já é o mais longo túnel do mundo, com mais de 56 Km, e cujo ponto mais baixo chega à 800 metros no subsolo da aldeia de Sedrum (no Cantone de Grigioni)

O Monte San Gottardo já faz parte da história Suíça e mais uma vez se afirma na integração e desenvolvimento não só nacional, mas também europeu.

Numa semana vitoriosa para os 33 mineradores resgatados vivos no Chile, após 70 dias e a 700 abaixo do solo do deserto do Atacama, e também quando se completam duas semanas da morte do vocalista Steve Lee, da Banda de Rock Suíça Gotthard (atropelado por um caminhão quando atravessava de moto os Estados Unidos), minha alma deve ter ido, imagino, conversar com os versos de Drummond a fim de buscar sustento aos argumentos, significados e sentidos suscitados pelo peso e pela leveza de uma pedra no meio do caminho.

Para os mineradores resgatados no Chile e para aqueles que participaram da faraônica obra, conhecida como Alp Transit, as tantas vivências amalgamadas em lágrimas e suor resultaram da resistência do desejo de vida e luz. As pedras podem e devem rolar, como no bom, velho e sempre renovado rock'n'roll.

Não me resta nada a fazer agora que transcrever aqui seu poema, caro poeta do coraçao, e o faço por aqueles que fazem as pedras rolarem, os que as movimetam ou simplesmente as transformam em poesia, como tu, Drummond, que com este poema também quebrou paradigmas e rompeu com canones estéticos anteriores ao modernismo. (Tânia Barros)

No meio do caminho


No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra


Publicado pela primeira vez na Revista de Antropofagia, 1928

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